Não tem algemas, não tem chicote e nem chibata, os quartos não têm cadeados, não tem senzalas, não tem apenas negros. Tem homens dispostos a encarar o trabalho pesado de sol a sol, e mesmo que a chuva chegue, eles não param.
O que se vê atualmente é uma pintura muito bem emoldurada, em nossa era contemporânea, pelo rico capitalismo, pela classe dominante que chega e avassala tudo em nome do progresso. Olha lá aquele prédio imenso, tão alto que tampa até o sol, tem tanta janela, tanto vidro, tanta beleza; para vê-lo por inteiro até cansa, porque toma conta da quadra inteira.
E aquele mercado ali, de fachada exuberante, cheia de brilho, ilumina a rua inteira quando a noite cai. Ele quase nem fecha, de tanto que tem cliente o dia todo. Olhe bem a altura, a grossura das paredes, a firmeza do piso. Até o banheiro é lindo, brilha o chão que dona Maria limpa de minuto em minuto.
Reparou bem nos alicerces: firmes. Aqui foram meses de trabalho duro, muito suor e mãos calejadas, para que tudo ficasse a contento do patrão. E o patrão? Sabe que nem se sabe quem é, foram tantos durante esse tempo, que a única certeza é que eles chegavam de carrão, usando camisas finas, calças alinhadas, sapatos bonitos e nunca falavam com os que alinhavam ferros e tacavam cimento nos tijolos. Eles se dirigiam aos outros chefes, aqueles que usavam capacete de cor branca.
Depois que dizem: “estamos na reta final”, aí a adrenalina toma conta do trabalhador, e o cansaço também. Será a hora de voltar para casa, e hora de bater a preocupação, pois será preciso encontrar outra obra. Outro trabalho. Outra renda, nem que seja pouca.
Será que mais uma vez serão deixados em quartos apertados e quentes? Será que o colchão terá cheiro ruim e será tão fino, que o melhor será ficar ao chão? Será que terá banheiro com chuveiro decente? Terá limpeza? Terá remédio? Atenção? Alimentação? Água gelada!
Sol escaldante e nada de água. Cadê a água? Está lá, bem distante e quente. “Vá lá toma, vá! Mas volte logo porque o cimento não pode ficar duro”. Hora do almoço, pegue sua marmita e se ajeite logo ali, tem espaço, no chão. É seu horário de almoço, mas quem manda é o patrão, e ele quer que o trabalhador fique na obra o tempo todo.
Não! Assim não pode, dessa maneira não é possível. Não há respeito com o trabalhador, não há dignidade. Muitas mudanças só ocorrem depois das denúncias. Toda empresa com obra muito grande contrata trabalhadores de estados diferentes, geralmente da região nordeste do país. De um lado, o contratante que precisa de mão de obra e do outro, um ser humano que precisa trabalhar.
Não é certo e nem justo que o trabalhador receba tratamento análogo à escravidão. O lucro é certo, é alto, é grande, é imensurável. Aquele patrão de camisa fina sabe as regras, conhece o jogo, dá cartadas certeiras, que não lhe darão prejuízos. Então por que não fazem tudo da maneira correta?
Qualquer tratamento degradante é cabível de denúncia, e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Construção Civil e do Molibilário, Sintracom em Campo Grande e a Federação dos Trabalhadores na Construção Civil e do Mobiliário e Montagem Industrial do Mato Grosso do Sul, Fetricom, estão em alerta para mobilização a qualquer momento.
Obras podem ser paralisadas até que tenham fiscalização do Ministério do Trabalho e as empresas cumpram as determinações de melhorias para o trabalhador. Há consensos, há convenções coletivas, há tratados que precisam de respeito e cumprimento.
O progresso precisa chegar e está chegando a passos largos: supermercados, indústrias, prédios, shoppings e muito mais. Quem ganha somos todos nós, mas quem precisa de um olhar especial lá no começo de tudo? O trabalhador que dedica horas e horas para dar vida às mais diferentes construções.
Jamais aceite menos do que lhe foi prometido em contrato. As leis lhe amparam. Não tenha medo. Tenha orgulho de tudo que foi feito até aqui. Direitos humanos e trabalhistas caminham de mãos dadas para lhe assegurar estabilidade física, moral e psicológica.
Num futuro próximo teremos novos quadros pintados, e que sejam de satisfação de dever cumprido. Cores vibrantes, emoldurados de respeito e dignidade. Avançar, progredir, verbos conjugados de maneira coletiva.
Ceyd Moreles - Jornalista